Do Tempo



O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel." (Platão)




O Tempo
“O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas” Foi assim que Gaston Bachelard interpretou a frase do historiador francês Gaston Roupnel (1872-1946): “O tempo só tem uma realidade, a do Instante”.
O mistério do Tempo sempre me intrigou. Aliás, desde que deparei, pela primeira vez, com o pensamento de Agostinho, em que o bispo africano separava o Tempo em duas dimensões, o eterno e o histórico, passei a pesquisar o tema.
Jorge Luis Borges, em Historia da Eternidade”, afirmou que “o tempo é um problema para nós, um terrível e exigente problema, talvez o mais vital da metafísica; a eternidade, um jogo ou uma fatigada esperança”. Borges referia-se ao Timeu de Platão para concluir que “o tempo é uma imagem móvel da eternidade; e isso é apenas um acorde que a ninguém distrai da convicção de ser a eternidade imagem feita de substância de tempo”.
Em diversas tradições religiosas e filosóficas o tempo foi cíclico, uma roda que se repete perpetuamente; uma inútil vaidade que transparece na tardia influência grega no Eclesiástes: “Gerações vêm, gerações vão, mas a terra permanece para sempre. O sol se levanta, o sol se põe, e depressa volta ao lugar de onde se levanta. O vento sopra para o sul e vira para o norte; dá voltas e voltas, seguindo sempre o seu curso. Todos os rios vão para o mar, contudo, o mar nunca se enche; ainda que sempre corram para lá, para lá voltam a correr. Todas as coisas trazem canseira…” (Eclesiastes 1.4-8).
O próprio Borges, sem se referir ao texto BIBLICO, previu que as “eternidades platônicas correm o risco de se tornarem insípidas”. Realmente, se tudo se repete num fluxo e refluxo monótono, o destino se torna inevitável. Se o tempo só fica no vai-e-vem, sobra o fatalismo – que é frio, insípido, chato.
O tempo grego, como uma engrenagem, também é trágico. E por trágico quero dizer, inexorável. Se a passagem do tempo não passa de uma roda dentada, encaixada noutras rodas, o futuro já é. E se o futuro já é uma realidade não há como escapar dele. Tragédia se popularizou pela antiguidade ocidental como um gênero literário porque lidava com o tempo como trilho de aço. Mulheres e homens podiam espernear contra sua sina, mas o mundo superior estava pronto, e, portanto, não permitia mudanças. Eis o motivo porque as forças impessoais que movem o cosmo, que regem a eternidade e que aguilhoam o tempo se tornaram inamovíveis para o mundo helênico. (O que será, será).
Mas, para o rabino britânico Jonathan Sacks, Tragédia não tem equivalente na literatura hebraica ou bíblica; no “judaísmo não há destino inevitável”. Na literatura semita o futuro estava sempre aberto para mudanças. Arrependimento, inclusive, passou a valer como um câmbio no comportamento que altera possíveis desdobramentos. Um tipo de futuro, de acordo com as decisões tomadas no presente, pode deixar de existir. Profetas saíam pelas ruas de Israel e Judá conclamando o povo a mudar o amanhã. Nada tinha que ser como se prenunciava. Profetizar era tarefa árdua pelo simples fato de convocar aquela geração a ver-se responsável pela seguinte.
Infelizmente o cristianismo perdeu de vista a cosmogonia semítica para adotar, acríticamente, a grega. Agostinho, que bebeu mais das águas filosóficas neoplatônicas do que das narrativas judaicas, desenvolveu sua teologia considerando passado e futuro, eternamente, como um “Agora” perene – um presente contínuo.
Para Agostinho, tudo foi providencialmente “escrito e determinado” por Deus e nada ou ninguém pode alterar o que já está pronto. Em seus pressupostos, Agostinho acreditava que toda a realidade já pode ser contemplada pelo Deus eterno como uma coisa só. Passado, presente e futuro acontecem num bloco de realidade. Passado, presente e futuro aos olhos de Deus são realidades simultâneas, portanto, fixas.
Por outro lado, o historiador das religiões Mircea Eliade, ao comparar, por exemplo, o cristianismo com o hinduísmo, afirmou que: “Para um hindu simpatizante do cristianismo, a inovação mais espetacular (se deixamos de lado a mensagem ou a divindade do Cristo) consiste na valorização do tempo, em última análise na salvação do tempo e da história”.
Para Eliade, o cristianismo renuncia a reversiblidade do tempo cíclico para impor um tempo irreversível. Eliade cria na irreversibilidade do tempo não no sentido de estar já pronto, mas por ser linear. O tempo é um devir, um linha que vai se alongando. O tempo, no cristianismo, segue adiante. Se o tempo segue, cada instante tem o valor de uma eternidade.
“Pois desta feita as hierofanias manifestadas pelo tempo não podem ser repetidas: o Cristo viveu, foi crucificado e ressuscitou uma única vez”. O evento crístico portanto significa uma cunha irrepetível na linha do tempo. Eliade, assim, aproxima o cristianismo do pensamento de Gaston Bachelard: “Daí vem uma plenitude do instante, a ontologização do tempo: o tempo consegue ser, o que quer dizer que ele para de tornar-se, que se transforma em eternidade”
Vinicius de Moraes também intuiu, acertadamente sobre marcar o instante como infinito na sua efêmera duração. Ele poetizou: “Eu possa dizer do meu amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”.
Para Eliade o evento distintivo que, por assim dizer, “eterniza” o instante seria o momento favorável. A experiência de vivenciar algo que, por tão caro, deveria se repetir, mas não se repete. “O instante transfigurado por uma revelação (quer chamemos ou não este “momento favorável” de Kairós).
Assim, se na poesia o amor confere ao instante um valor eterno, na fé cristã a manifestação de Deus na história, sua intenção salvadora (soteriológica) confere plenitude ao tempo. Há um evento que pode ser considerado o zênite, irrepetível, único, singular: a encarnação. “Como poderia ser inútil e vazio o Tempo que viu Jesus nascer, sofrer, morrer e ressuscitar? Como poderia ser reversível e repetir-se ad infinitum?” (Eliade).
A distinção que distinguirá o cristianismo do judaísmo, portanto, vem do acontecimento histórico que “revela o máximo de trans-historicidade: Deus não intervém apenas na história, como foi o caso do judaísmo; ele se encarna num ser histórico para sofrer a existência historicamente condicionada; aparentemente, Jesus de Nazaré não se diferencia em nada de seus contemporâneos da Palestina. Na aparência, o divino é totalmente oculto na história: nada deixa entrever na fisiologia, na psicologia ou na ‘cultura’ de Jesus, o Deus Pai em si; Jesus come, digere, sente sede ou calor como qualquer outro judeu da Palestina. Mas, na realidade ‘ esse acontecimento histórico’, que constitui a existência de Jesus é uma teofania total…” (Eliade).
Borges conclui, formidavelmente, em “Nova Refutação do Tempo” que não se pode imaginar ou experimentar o tempo como mera simultaneidade: “And yet, and yet… Negar a sucessão temporal, negar o eu, negar o universo astronômico são desesperos aparentes e consolos secretos. Nosso destino (ao contrário do inferno de Swedenborg e do inferno da mitologia tibetana) não é terrível por ser irreal, é terrível porque é irreversível e férreo. O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo, infelizmente, é real; eu, infelizmente, sou Borges”.
Deus encarnou na história, se exilou no mundo, se esvaziou em seu Filho. No tempo, andou manso e humilde entre mulheres e homens para que se reconceituesse a percepção da história. No cristianismo não há fatalismo. Assumisse-se responsabilidade com o futuro (seremos complacentes ou transformadores?).
Eu não conseguiria fazer teologia sem dialogar com tais conceitos. Creio na linearidade histórica, plena de contingências existenciais; na liberdade de um mundo que Deus soberanamente organizou, pleno de surpresas e quanticamente aleatório.
Soli Deo Gloria
______________________________________________
Bibliografia:
Eliade, Mircea – Imagens e Símbolos – Martins Fontes, São Paulo, 2002.
Borges, Jorge Luis – Obras Completas, Tomos I e II, Editora
Ricardo Gondim


Sobre a amplidão desta água, em noites que passaram, 
 olhos no alto, a seguir as estrelas em bando,
 eu escutei do Mar as canções que ficaram
por toda a minha vida em minha alma cantando...
Eu deixara na Terra olhos por mim chorando...
Foram mágoas cruéis as que me apunhalaram!
A terra era a alegria... Era a ventura... Ah! Quando
eu a perdi de vista, os meus olhos choraram...
E cismei: – é o passado essa longínqua praia
que foge mais e mais, e se perde, e desmaia
no longínquo horizonte, ao nosso triste olhar...
E vamos sem parar pela viagem da vida.
Porém, quanto maior é a estrada percorrida,
mais torturante na alma é esta ânsia de voltar.
Tasso da Silveira


TEMPO
Em sua mãos,meu Deus,o tempo é infinido.
Não há nada que conte
 os seus minutos.
Passam dias e noite,as eras florecem e murcham voce sabe esperar
seus seculos se sucedem aperfeiçoando uma pequena flor silverstre
Não temos tempo a perder;por isso lutamos por nossas chances.
somos muito pobres para nos atrasar.
Assim o tempo passa,enquanto o ofereço a qualquer rabugento
que o reclame.
O seu altar se esvaziou até da última oferenda.
ao fim do dia,me apresso,
temendo que o portão se  feche,
mas descubro que ainda há tempo.
Tagore


Faça Hoje, Não Amanhã 
Diz o preguiçoso: "Amanhã farei."
Exclama o fraco: "Amanhã terei forças."
Assevera o delinqüente: "Amanhã regenero-me." 
É imperioso reconhecer, porém, que a criatura,
adiando o esforço pessoal, não alcançou, ainda,
a noção real do tempo. Quem não aproveita
a bênção do dia vive distante da glória do século.
A alma sem coragem de avançar cem passos
não caminhará vinte mil.
O lavrador que perde a hora de semear
não consegue prever as conseqüências da procrastinação
do serviço a que se devota, porque,
entre uma hora e outra,
podem surgir impedimentos e lutas de indefinível duração.
Muita gente aguarda a morte para entrar numa boa vida.
Contudo a lei é clara quanto à destinação de cada um de nós.
Alcançaremos sempre os resultados a que nos propomos.
Se todas as aves possuem asas, nem todas
se ajustam à mesma tarefa nem planam no mesmo nível.
A andorinha voa na direção do clima primaveril,
mas o corvo, de modo geral, se consagra,
em qualquer tempo, aos detritos do chão.
Aquilo que o homem procura agora surpreenderá amanhã,
à frente dos olhos e em torno do coração.
Cuida, pois, de fazer, sem delonga,
quanto deve ser feito em benefício de tua própria felicidade,
porque o Amanhã será muito agradável
e benéfico somente para aquele que trabalha no bem,
que cresce no ideal superior
e que aperfeiçoa nas abençoadas horas de Hoje.
 Fonte: Emmanuel
 psicografada por Chico Xavier
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O Tempo é tema ingrato, teclas de sono sobre células ávidas: Tapete perene sob meus pés de sonho. O Tempo cobre de penas e alegrias minhas tantas noites: Confere novas cores a meus dias di-versos. O Tempo sofre aparas, afere augúrios, distribui o terror inédito: Insólito e voraz, ele cobra meus anos. O Tempo enorme, às vezes cálido e audaz, abriga amor e medo: Descobre self, sonhos e faces que aflito exponho. Jairo De Britto, In Dunas de Marfim 

PARA ENTENDER O VALOR DO TEMPO
Para entender o valor de um ano: 
Pergunte a um estudante que não passou nos exames finais;
Para entender o valor de um mês:

Pergunte a mãe que teve um filho prematuro;
Para entender o valor de uma semana:
Pergunte ao editor de uma revista semanal;
Para entender o valor de uma hora:

Pergunte aos apaixonados que estão esperando o momento do encontro;
Para entender o valor do minuto:
Pergunte a uma pessoa que perdeu o avião, o trem, ou o ônibus;
Para entender o valor de um segundo:
Pergunte a uma pessoa que sobreviveu a um acidente;
Para entender o valor de um milisegundo:

Pergunte a uma pessoa que ganhou a medalha de prata nas olimpiadas;
O tempo não espera por ninguém.
Valorize cada momento de sua vida.
(autor desconhecido)

Sobre a amplidão desta água, em noites que passaram, 
olhos no alto, a seguir as estrelas em bando,
eu escutei do Mar as canções que ficaram
por toda a minha vida em minha alma cantando...
Eu deixara na Terra olhos por mim chorando...
Foram mágoas cruéis as que me apunhalaram!
A terra era a alegria... Era a ventura... Ah! Quando
eu a perdi de vista, os meus olhos choraram...
E cismei: – é o passado essa longínqua praia
que foge mais e mais, e se perde, e desmaia
no longínquo horizonte, ao nosso triste olhar...
E vamos sem parar pela viagem da vida.
Porém, quanto maior é a estrada percorrida,
mais torturante na alma é esta ânsia de voltar.
Tasso da Silveira

“Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo; quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com rapidez; quando se puder assistir em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico no oriente; quando tempo significar apenas rapidez online; quando o tempo, como história, houver desaparecido da existência de todos os povos, quando um esportista ou artista de mercado valer como grande homem de um povo; quando as cifras em milhões significarem triunfo, – então, justamente então — reviverão como fantasma as perguntas: para quê? Para onde? E agora? A decadência dos povos já terá ido tão longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a decadência simplesmente como… Decadência. Essa constatação nada tem a ver com pessimismo cultural, nem tampouco, com otimismo… O obscurecimento do mundo, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odiosa contra tudo que é criador e livre, já atingiu tais dimensões, que categorias tão pueris, como pessimismo e otimismo, já haverão de ter se tornado ridículas.”

~ Martin Heidegger (1889-1976), em Introdução à Metafísica

Poetas e Poesias


UM POETA É SEMPRE
 IRMÃO
DO VENTO E DA ÁGUA:
 DEIXA SEU RITMO
 POR ONDE PASSA...

Estou convencido de que o mundo não é um mero pântano onde homens e mulheres se jogam... e morrem. Algo magnificente está ocorrendo aqui em meio às crueldades e tragédias e o desafio supremo à inteligência é fazer prevalecer o que há de mais nobre e melhor em nossa curiosa herança.
 (C. A. Beard)

 A poesia expressa um certo estado da mente.





Os PoetasNunca os vistes 
Sentados nos cafés que há na cidade, 
Um livro aberto sobre a mesa e tristes, 
Incógnitos, sem oiro e sem idade? 

Com magros dedos, coroando a fronte, 
Sugerem o nostálgico sentido 
De quem rasgasse um pouco de horizonte 
Proibido... 

Fingem de reis da Terra e do Oceano 
(E filhos são legítimos do vício!) 
Tudo o que neles nos pareça humano 
É fogo de artifício. 

Por vezes, fecham-lhes as portas 
— Ódio que a nada se resume — 
Voltam, depois, a horas mortas, 
Sem um queixume. 

E mostram sempre novos laivos 
De poesia em seu olhar... 

Adolescentes! Afastai-vos 
Quando algum deles vos fitar! 

Pedro Homem de Mello, in 
"O Rapaz da Camisola Verde"

Um PoetaUm poeta 
É um ser único 
Em montes de exemplares 
Que só pensa em versos. 
E só escreve em música 
Sobre assuntos diversos 
Uns vermelhos outros verdes 
Mas sempre magníficos 

Boris Vian, in "Não Queria Patear" 
Tradução de Irene Freire Nunes / Fernando

Se os Poetas Dessem as Mãos
Se os Poetas dessem as mãos 
e fechassem o Mundo 
no grande abraço da Poesia, 
cairiam as grades das prisões 
que nos tolhem os passos, 
os arames farpados 
que nos rasgam os sonhos, 
os muros de silêncio, 
as muralhas da cólera e do ódio, 
as barreiras do medo, 
e o Dia, como um pássaro liberto, 
desdobraria enfim as asas 
sobre a Noite dos homens. 

Se os Poetas dessem as mãos 
e fechassem o Mundo 
no grande abraço da Poesia. 
Fernanda de Castro, in 
"Ronda das Horas Lentas"
A um Jovem Poeta
Procura a rosa. 
Onde ela estiver 
estás tu fora 
de ti. 
Procura-a em prosa, pode ser 
que em prosa ela floresça 
ainda, sob tanta 
metáfora; pode ser, e que quando 
nela te vires te reconheças 

como diante de uma infância 
inicial não embaciada 
de nenhuma palavra 
e nenhuma lembrança. 

Talvez possas então 
escrever sem porquê, 
evidência de novo da Razão 
e passagem para o que não se vê.
 Manuel António Pina, in "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"

 Martinsc

Cântico es existencia
Rilke


O chão dos poetas não é sono lunar
mas vigília aberta ao espaço

o chão dos poetas é culto que se estende
da terra à palavra num rasto de mãos
pulsando o início

o chão dos poetas canta a terra e os homens
por lavrar canta o fogo e a espessura da noite
infinita, canta a aurora o despertar

o chão dos poetas é corpo que desarma e restitui
o sono lúcido aos lábios a língua que se abre ao Sol

o chão dos poetas é seiva que transforma e religa
espírito e matéria cântico e mundo
Gisela Ramos Rosa





Os Deuses me enviaram o mais precioso dos presentes;
tornei-me anfitriã do mais ilustre visitante,
requinte dos requintes,
altivo e radiante,
poderoso Amor.

Vinho de nobre linhagem
vertido em tão rude Graal,
recusas os limites de teu pobre recipiente,
explodes em meu peito,
expandes minha vida para além de qualquer margem.

Ave de vôo potente,
indomável, divina arte,
causas êxtase e vertigem
em quem tenta acompanhar-te.

Com tuas garras, dilaceras
o ousado portador
que anseia por contê-lo.
Dilacera-nos de dor,
e, ainda assim, como és Belo !

Não te vás nunca, Graça Divina,
tão grandioso sentimento
que atravessa todo o mundo,
impetuoso qual fosse o vento.

Se tu partires, não serei nada,
apenas ermo e vão castelo
onde a Psique, desconsolada,
chora a perda do Ser mais belo.

Fica, ainda que tu diluas
as margens deste meu coração
com seus limites imaginários.
És Alkahest, solvente universal,
dissolves o portador temerário
que ousa tentar te conter.

Eu te percebo, às vezes, árduo e cruel,
mas, ainda assim, te quero em minha vida.
Ainda que me negues tuas sombras neste mundo,
ainda que me cegues e exponhas minhas feridas,
ainda que não me dês nada, nada mais
senão o delírio de tua presença,
eu quero estar contigo.

Para quem te sonhou doce, és demasiado amargo,
para quem te crê frágil e lânguido,
és demasiado forte, viril e guerreiro.
Mas não há algo tão belo como és, no mundo inteiro.

Permite, Ser Divino, meu acesso a teu Séqüito,
humilde e despojada de adornos que me impeçam de voar.
Toma-me em tuas garras,
cruzando os ares no ardor deste teu vôo,
vendo o mundo a partir da altitude em que tu o vês,
vendo e amando o mundo através de teus olhos,
ainda que me dilaceres, desmontes e desfaças
e me reconstruas na forma que escolheres para mim.
Lúcia Helena Galvão

Aurora, hora cinza, áurea hora,
momento de encontro com Deus.
Transborda sobre a natureza
um plasma divino, cinzento,
que preenche, a cada momento,
os seres, qual recipientes.
Neste contraste entre a escuridão e a luz,
em que se sente estar vivendo um sonho,
posso saber aonde este sonho conduz.
Os homens erram ao pensar
que o sangue de Deus se derramou
um só dia sobre a Terra,
pois ele se derrama em todas as auroras,
sem alcançar, por hora, despertar os homens.
Que são os homens, senão somente nomes
que se dá a gotas de aurora,
agora, isoladas e esquecidas
da fonte comum que lhes deu vida?
Gotas são partes do Deus que se derrama,
aprisionadas no tempo e no espaço.
Episódios deste Deus a quem se ama
e a quem se busca rastrear, pelos seus passos.
Querer ser gota faz que inevitavelmente
despedacemos a Deus.
Podemos vê-lo, aos pedaços, pelas ruas,
perplexo, perdido, a esmo,
com saudades de si mesmo,
da totalidade.
Senhor, esse plasma misterioso,
prisioneiro da gota que sou,
vem ao teu encontro sempre, a cada Aurora.
Sonha ser célula de um Ser inteiro e vivo,
e não uma lágrima, entre mil, de um ser que chora.
  Lúcia Helena Galvão

Não te amo, quero-te: o amor vem da alma.
           E eu na alma – tenho a calma,
           A calma – do jazigo.
           Ai! Não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
           E a vida – nem sentida
           A trago eu já, comigo.
           Ai, não te amo, não!

Ai! Não te amo, não; e só te quero
           De um querer bruto e fero
           Que o sangue me devora,
           Não chega ao coração.

Folhas Caídas, 1853 (excerto)


A poesia como uma forma de arte pode ser anterior à escrita.3 Muitas obras antigas, desde os vedas indianos (1700-1200 a.C.) e os Gathas de Zoroastro (1200-900 aC), até a Odisseia (800 - 675 a.C.), parecem ter sido compostas em forma poética para ajudar a memorização e a transmissão oral nas sociedades pré-históricas e antigas.4 A poesia aparece entre os primeiros registros da maioria das culturas letradas, com fragmentos poéticos encontrados em antigosmonolitos, pedras rúnicas e estelas.
O poema épico mais antigo sobrevivente é a Epopeia de Gilgamesh, originado no terceiro milênio a.C. na Suméria (na Mesopotâmia, atual Iraque), que foi escrito em escrita cuneiforme em tabletes de argila e, posteriormente, papiro.5 Outras antigas poesias épicas incluem os épicos gregos Ilíada. e Odisseia, os livrosiranianos antigos Gathas Avesta e Yasna, o épico nacional romano Eneida, deVirgílio, e os épicos indianos Ramayana e Mahabharata.
Os esforços dos pensadores antigos em determinar o que faz a poesia uma forma distinta, e o que distingue a poesia boa da má, resultou na "poética", o estudo da estética da poesia. Algumas sociedades antigas, como a chinesa através do Shi Jing (Clássico da Poesia), um dos Cinco Clássicos doconfucionismo, desenvolveu cânones de obras poéticas que tinham ritual bem como importância estética. Mais recentemente, estudiosos têm se esforçado para encontrar uma definição que possa abranger diferenças formais tão grandes como aquelas entre The Canterbury Tales de Geoffrey Chaucer e Oku no Hosomichi de Matsuo Basho, bem como as diferenças no contexto que abrangem a poesia religiosa Tanakh, poesia romântica e rap.
O contexto pode ser essencial para a poética e para o desenvolvimento do gênero e da forma poética. Poesias que registram os eventos históricos em termos épicos, como Gilgamesh ou o Shahnameh, de Ferdusi, serão necessariamente longas e narrativas, enquanto a poesia usada para propósitos litúrgicos (hinos, salmos, suras e hadiths) é suscetível de ter um tom de inspiração, enquanto que elegia e tragédia são destinadas a invocar respostas emocionais profundas. Outros contextos incluem cantos gregorianos, o discurso formal ou diplomático, retórica e invectiva políticas, cantigas de rodaalegres e versos fantásticos, e até mesmo textos médicos.
O historiador polonês de estética Władysław Tatarkiewicz, em um trabalho acadêmico sobre "O Conceito de Poesia", traça a evolução do que são na verdade dois conceitos de poesia. Tatarkiewicz assinala que o termo é aplicado a duas coisas distintas que, como o poeta Paul Valéry observou, "em um certo ponto encontram união. […] A poesia é uma arte baseada na linguagem. Mas a poesia também tem um significado mais geral […] que é difícil de definir, porque é menos determinado: a poesia expressa um certo estado da mente.





Amor - Um Estado Divino

"Em sua primeira paixão,
 uma mulher ama seu amante,

 em todas as outras 
tudo que ela ama é o amor."
LORD BYRON



"...o amor não é algo que podemos nos obrigar a sentir, nem que podemos sentir por decisão do intelecto. O amor nem ao menos é um sentimento. É um estado do ser, de entrega, de perfeita renúncia a toda sorte de separação, quanto a qualquer parte de si mesmo, a outros seres humanos, ao mundo natural e aos domínios do espírito. O amor é eterno e também se gera a cada momento. Em sua base, todos os ensinamentos espirituais verdadeiros visam nos ajudar a a entrar nesse momento eterno do amor."
Fonte: "Entrega ao Deus Interior" de Eva Pierrakos e Donovan Thesenga.



Como o amor, o apelo da música é universal.
 E seus ritmos expressam todas as estações da alma.
O homem não sabe o que diz o pássaro ou o córrego
ou as ondas da chuva.
Mas seu coração percebe misteriosamente o sentido de todas essas vozes,
que ora o alegram,ora o entristecem.
Khalil Gibran








O UNIVERSO ESTA REPLETO DE MILAGRES

O ORVALHO DO AMOR DERRAMA-SE TODAS AS MANHAS

ENCHARCANDO O SOLO DO PLANETA E ENVOLVENDO AS ALMAS ...

Nadja Feitosa.




Na visão de Rûmî, Deus está presente no íntimo do coração: é o sempre-já-aí. O
Deus transparente que é diafania mais que epifania. Mas Dele há sempre que
recordar, permanentemente. Quando há no coração a presença da centelha do amor
de Deus, a correspondência de amor vem imediatamente (MIII, 4396) [...] O amor
humano é etapa e ponte que traduz uma caminhada mais complexa em direção ao
Amado. O amor é para Rûmî um “estado de alma” que conduz ao horizonte do amor
divino e aponta o caminho. Daí sua convicção da importância da religião do amor,
como a mais sublime forma de todas as religiões. O amor é “o único lugar, o único
ponto capaz de religar o eu do ser humano e o mundo da unidade, que é o mundo da
divindade” (Teixeira, 2004, p.13-15).


A Evolução do Amor

Amor, impulso fundamental da vida, força de coesão que rege o universo, potência divina de eterna reconstrução! Encontrá-lo-emos sempre indestrutível, em formas infinitas, em todos os níveis do ser. Com este, o amor subirá, sublimando-se até o paraíso dos santos. O amor, como a dor, tem uma função fundamental de conservação, coesão e renovação, é parte integrante do funcionamento orgânico do universo; o impulso não se destrói, mas se reforça e eleva; o desejo não se mata, mas se guia para uma contínua elevação. Evolução de instintos, evolução de paixões, aperfeiçoamento constante da personalidade (teoria evolutiva do psiquismo).
   Também aqui observamos o amor nos diferentes níveis e sua ascensão. Assim traçaremos novo aspecto das vias da evolução. O amor, que no mundo animal é função prevalentemente orgânica, adquire no homem funções de ordem nervosa e psíquica; complica-se, dilata seu campo de ação, sutiliza-se e sensibiliza-se (se souber evitar o perigo de uma degradação neurótica) para um superamor espiritual. Se é necessário não destruir, mas fazer evoluir as paixões, justamente por isso, é indispensável dominá-las e guiá-las, orientando-as para a fase espiritual. Tudo o que acentua o elemento nervoso e sutil: fascínio, simpatia de alma, graça, arte, música, vibrações e psiquismo; tudo isto é perfume e poesia do amor, tudo que desmaterializa e espiritualiza é evolução que vos guia para a superação das formas do amor humano. Estais à porta de novo reino: o amor místico e divino. Êxtase supremo que os santos experimentaram, não é digressão agradável de sentimentalismo romântico, é a mais tempestuosa das conquistas, a mais alta tensão do domínio sobre as forças biológicas, uma luta viril contra a humanidade, onde se empenham todas as forças da vida. Compreendo um misticismo ativo, que renuncia para criar, e não aquele vazio misticismo moderno, neurótico e sensual, enervante e doentio, que, entre artificiais complicações de sutilezas, só existe no espírito, ocioso e desolado.
   No alto, como ponto limite da evolução humana, está o amor divino. Ao homem mediano só podemos pedir a maior aproximação admissível por suas capacidades de concepção e suportável por suas forças. Nas gradações infinitas das aproximações à perfeição, cada um em seu nível procurará embelezar e elevar, ao máximo, instintos e paixões. A meta seja aquele superamor alcançado pelos grandes; eleve-se o humano para o divino em sucessivas destilações que derrubam embaixo e reconstroem cada vez mais alto. Ascensão das paixões, que faz parte da elevação de toda a personalidade, de uma transfiguração do Eu. Por isso, o vínculo substancial de qualquer união de amor deve ser ele próprio; sem amor, tudo é nada, reduzindo-se a uma forma de prostituição, ainda que revalidada por todas as sanções religiosas e civis. A forma não pode criar a substância, de que depende a felicidade dos filhos e o futuro da raça.
   As formas de amor elevam-se gradualmente, e cada ser, desde o animal ao selvagem, ao homem inculto, ao intelectual, ao gênio, ao santo, ama diferentemente, de acordo com as qualidades e o grau de perfeição que tenha atingido. Com a ascensão do tipo, transforma-se a expressão do amor - a maior força do universo. Sempre presente em qualquer altitude, suas funções - desde a mais simples nos seres inferiores, a de multiplicar a espécie - enriquecem-se e se complicam numa quantidade de novas tarefas, desenvolvem-se em amplidão de ações. A fêmea transforma-se em mulher, o macho em homem. A atração sexual se engrandece no amor materno, que se diferencia e enriquece nas formas de amor paterno, filial, familiar, nacional, humanitário, até ao altruísmo, à abnegação, ao martírio. A mulher transforma-se em anjo, o homem em santo.
   Nessa ascensão do amor há uma contínua reabsorção do impulso socialmente desagregante do egoísmo, uma emanação que a ele substitui as forças socialmente construtivas do altruísmo. A função do amor é criar, conservar, proteger. Seu desenvolvimento exterioriza e intensifica todas as defesas de uma vida cada vez mais complexa. Essas ascensões não são sonho estéril, mas contêm a gênese das forças de coesão do organismo unitário da futura sociedade humana. Altruísmo necessário num mundo mais evoluído, mesmo que possa parecer utopia hoje, em que por vezes é um esforço extensivo apenas ao restrito círculo familiar. Reabsorção do egoísmo pelo amor, inversão de impulsos, que é somente um momento do processo de inversão das forças do mal em bem, da dor em felicidade. O egoísmo é restrito, seu separatismo o isola e limita-lhe o gozo. A ascensão do amor transforma-o, por expansão contínua, em sempre maior capacidade de gozar. Nas alegrias presas ao denso meio da matéria, existe alguma coisa que cansa e desgasta nos atritos, mais rapidamente que nas alegrias livres do espírito. Este escancara os braços ao infinito e possui tudo sem nada pedir.
   Que novo espaço darão à vida as mais altas paixões! Quanta sutileza e profundidade de gozos possuirá o homem futuro, que, sem dúvida, olhará com náusea as festas brutais dos sentidos como os concebeis hoje! Que música será então a vida, fundida na harmonia do universo! A paixão desmaterializar-se-á até o superamor do santo, gozo real e altíssimo, fenômeno não assexual, mas supersexual, pretendido para seu termo complementar, que está além da vida, no seio das forças cósmicas. Na solidão dos silêncios imensos, o santo ama, com a alma hipersensível estendida e aberta a todas as vibrações do infinito, num impulso impetuoso e frenético para a vida de todas as criaturas irmãs. Se vos parece sozinho, ele está com o Invisível, ao qual estende os braços no êxtase de um supremo e amplíssimo amplexo; alguma coisa lhe responde do imponderável, inflama-o e o sacia; num incêndio que tornaria cinza qualquer ser comum, arde o amor que abraça o universo; num mistério de sobre-humana paixão, Cristo abre dolorido os braços na cruz e São Francisco, no Verna, abre os braços a Cristo.
Pietro Ubaldi