Ana Jácomo


“Mas não tenho mais tanta pressa.
Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. 
Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. 
Eu sou a viajante e a viagem.”



“Mas não tenho mais tanta pressa.
Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. 

Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. 

Eu sou a viajante e a viagem.”
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Chega um momento, depois de algum caminho percorrido, em que a gente pode até considerar que avançou menos do que supunha, mas entende ter avançado o máximo que conseguiu até então. E a gente agradece, com gentileza e compaixão por todos os caminhantes, porque somente quem caminha sabe o valor, o tamanho, a conquista, de que é feita a história de cada único passo. Há quem pare no meio da estrada e se enrede no suposto cansaço que mente o medo de prosseguir. Há quem corra tão freneticamente de si mesmo que nem percebe a paisagem ao seu redor. Há quem pareça recuar dois passos para cada um alcançado. No fim das contas, todos avançam, de uma forma ou de outra, ainda que, aos próprios olhos e aos alheios, o avanço seja imperceptível. E, nos trechos da jornada em que já é possível caminhar com mais atenção, respirando os sentimentos singulares de cada passo, a gente percebe que não há exatamente um lugar onde chegar. Nós somos o lugar. A gente percebe que pode aprender a relaxar e a usufruir também da viagem e que essa é forma mais hábil e generosa de avanço. Não há movimento que se assemelhe àquele que nasce de um coração contente.

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"E eu me sinto feliz e grata por tudo, vejo amor, maestria, chance de aprendizado, em cada ínfima coisa que me acontece.
Ainda que chova, e às vezes chove muito, a memória da ternura luminosa e imutável do sol faz eu lembrar da natureza preciosa da vida. 
O sol não vai a lugar nenhum, ele fica exatamente onde está, mas a nuvem, a chuva, sempre passam." 
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Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando, vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões que eu ainda não soube transformar, embora continue me empenhando para conseguir.


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Tem dor que vira companhia. Olhando de perto, faz tempo que deixou de doer, só tem fama, mas a gente não solta. Quem sabe, pelo receio de não saber o que fazer com o espaço, às vezes grande, que ficará desocupado se ela sair de cena. 
Vazio é também terreno fértil para novos florescimentos, 
mas costuma causar um medo inacreditável.




Às vezes é preciso diminuir a barulheira, parar de fazer perguntas, parar de imaginar respostas, aquietar um pouco a vida para simplesmente deixar o coração nos contar o que sabe. E ele conta. Com a calma e a clareza que tem.

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“Abençoados sejam os presentes fáceis de serem abertos. Os encantos que desnudam o erotismo da alma. Os momentos felizes que passam longe das catracas da expectativa. Os improvisos bons que desmancham o penteado arrumadinho dos roteiros da gente. Os diálogos que acontecem no idioma pátrio do coração. Abençoada seja a leveza, meu Deus.”
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"O melhor do abraço é o charme de fazer com que a eternidade caiba em segundos.
 A mágica de possibilitar que duas pessoas visitem o céu no mesmo instante".
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Eu precisei percorrer muito caminho para entender que um dos maiores tesouros da vida humana, talvez o mais precioso, é a capacidade essencial de sentir amor e saber expressá-lo. E que boa parte das confusões, das discórdias, das invejas, das doenças, das armadilhas, surge da profunda dor que causa a temporária incapacidade de descobrir onde ele está.”
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"Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia. Esse jeito de ouvir além dos olhos, de ver além dos ouvidos, de sentir a textura do sentimento alheio tão clara no próprio coração e tantas vezes até doer ou sorrir junto com toda sinceridade. Essa sensação, de vez em quando, de ser estrangeiro e não saber falar o idioma local, de ser meio ET, uma espécie de sobrevivente de uma civilização extinta. Essa intensidade toda em tempo de ternura minguada. Esse amor tão vívido em terra em que a maioria parece se assustar mais com o afeto do que com a indelicadeza. Esse cuidado espontâneo com os outros. Essa vontade tão pura de que ninguém sofra por nada. Esse melindre de ferir por saber, com nitidez, como dói se sentir ferido."
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"Todo dia, indagada sobre o que quero propagar no mundo, escolho propagar o amor, a beleza, o bom humor, as imensas coisas pequeninas bordadas com fios de luz no tecido áspero do cotidiano, em vez do medo, que conta com propagadores demais. Não significa que necessariamente eu esteja nestes lugares toda vez que os propago, mas que acredito neles. Que acredito que prevalecerão, também em mim."
(Ana Jácomo)
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"Chega um momento em que a gente se dá conta de que, às vezes, para sermos verdadeiros com nós mesmos, precisamos ter o desprendimento para abençoar as tentativas sem êxito, agradecer pelo o que cada uma nos ensinou, e seguir. De que, às vezes, para se reconstruir, é preciso demolir construções que, por mais atraentes que sejam, não são coerentes com a ideia da nossa vida. A gente se dá conta do quanto somos protegidos quando estamos em harmonia com o nosso coração. De que o nosso coração é essencialmente puro. Essencialmente, amoroso, o bordador capaz de tecer as belezas que se manifestam no território das formas. De que, sabedores ou não, é ele que tem as chaves para as portas que dão acesso aos jardins de Deus. E, vez ou outra, quando em plena comunhão criativa, entra lá, pega uma muda de planta e traz para fazê-la florescer no canteiro do mundo."

(…) E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense que está…"

— Ana Jácomo

" Minha mãe foi a primeira música que tocou no meu rádio. A primeira paisagem. A primeira pessoa que me falou sobre milagres e, sem palavra alguma, me contou sobre Deus. Uma história de amor. Tanto faz se, às vezes, desconcertado. Tanto faz se, às vezes, atrapalhado pela mistura das coisas que são dela e das coisas que são minhas. Tanto faz se aprendendo a amar junto comigo nesses bancos da escola. Tem vez que a gente demora para resolver alguns exercícios mais complicados, mas a amizade que nos liga e construímos, página a página, sempre nos orienta na busca das respostas. Minha mãe é maciez pra minha alma quando a vida se faz áspera e quando não. Um lugar de conforto, onde eu posso ser. Amor, quando as minhas folhas caem e quando floresço. A mesa sempre posta, até quando sinto fome apenas de lembrar quem sou.

Estou convencida de que ninguém me conhece melhor do que ela. Sente a emoção da vez, antes da minha voz. Sente quando omito alguma coisa, por mais sofisticados que sejam os meus disfarces. Sente a atmosfera da minhas palavras, antes que eu consiga ou resolva dizê-las. Conhece mais variações de sorrisos, silêncios e olhares meus e suas respectivas mensagens do que suponho mostrar. Ela não me conhece assim porque é versada em psicologia. Minha mãe é versada em mim, desde quando eu ainda nem era eu direito."

(Ana Jácomo)




"Minha mãe cantou para me fazer adormecer. Ensinou-me, com toda a paciência, a rezar para o meu anjo da guarda antes de eu dormir e de levantar da cama. Ensinou-me a respeitar o espaço das pessoas, a ser educada com gente de toda idade, a ser cuidadosa com as plantas e os bichos, a não me apropriar de nada que não me pertencesse. De mãos dadas, seguíamos pelas ruas e seguir de mãos dadas com ela pelas ruas era uma espécie de festa que acontecia toda manhã. Encapava meus cadernos. Perguntava o que havia acontecido na escola quando percebia que eu havia chorado, mas não contava para ela.

Atualmente, tenho muito mais do que sete anos e, ao longo das décadas, aprendi a escrever frases mais elaboradas, mas esta continua sendo perfeita. Para os meus olhos, as belezas que ela tem são ainda maiores, bem maiores, agora, olhando daqui."

(Ana Jácomo)

O dia era grande. Daqueles sem agenda. Sem pés apressados. Sem olhos vigiando ponteiros. Acordei com a sensação de que o tempo era outra coisa. E a vida também. Com uma saudade que tinha feições familiares.


(...) A saudade era do ser que me fazia acreditar que eu não era uma turista num planeta estrangeiro nem uma sobrevivente de uma civilização extinta, como tantas vezes sentia. E me ensinava que toda vez que eu achasse que os outros precisavam de legendas para me entender, eu poderia recorrer aos idiomas que o coração entende. Um sorriso. Um olhar. Um abraço.

A saudade era do amor que aquele ser emanava e do qual eu era feita. Da seiva que permeava todo o jardim. Que era o meu corpo, por trás da roupa de gente que eu usava e da qual precisava cuidar com o carinho com que se cuida da roupa do amado, embora raramente eu lembrasse disso. Da porção em mim que era mágica e sábia. Humilde e serena. Que me intuía. Que me ajudava a desenhar o meu caminho. Encontrar o meu acorde. Escrever a minha história.

A saudade, terna e arrebatadora, era daquilo em mim que tinha um compromisso com a vida, ainda que eu fizesse de conta que o havia esquecido e só honrasse os compromissos que o meu coração nunca assumiu. Daquilo que não se importava com os porquês. Que se desprevenia. Que se enamorava. E que se olhasse para o azul do céu mil vezes se emocionava em todas elas, reverenciando o pintor. Que me lembrava de que eu devia saborear a paisagem com os companheiros de viagem, mesmo sem saber aonde o barco me levaria. E de que se chegasse a tormenta, eu não deveria esquecer, na aflição, que eu não era o barco, e, sim, o mar.

Naquele dia acordei com saudade e com medo. Nem mais casulo nem vôo ainda. Sabia que enquanto eu não voltasse a dar a mão àquele ser que me habitava, enquanto eu não voltasse a dançar com ele, continuaria a me sentir longe de casa, separada da minha gente, fora do meu habitat, perambulando, confusa e assustada, no mundo árido e sem cor que desenhei quando larguei a sua mão.

Para fluir comigo, a vida pedia que eu soltasse o medo e me entregasse. Que dissesse sim. Que acreditasse nela. Eu não sabia como fazer, mas sentia, entre as contrações, que ela estava fazendo por mim, através de cada experiência que eu atraía para o meu caminho.

Naquele dia, grande, acordei com a sensação de que o tempo era outra coisa. De que a vida era outra coisa. E eu também."
(Ana Jácomo - Parto de mim)

Almas Perfumadas
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.

Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas,pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.

Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.

Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.


Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia. Minha avó era alguém assim. Ela perfumou muitas vidas com sua luz e suas cores. A minha, foi uma delas. E o perfume era tão gostoso, tão branco, tão delicado, que ela mudou de frasco, mas ele continua vivo no coração de tudo o que ela amou. E tudo o que eu amar vai encontrar, de alguma forma, os vestígios desse perfume de Deus, que, numa temporada, se vestiu de Edith, para me falar de amor

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