SER UM BUSCADOR ESPIRITUAL



Quando nos dedicamos, com o coração, à busca do autoconhecimento, 
é inevitável que chegue um instante em que algumas mentiras 
que contávamos para nós mesmos passem a não funcionar mais.
Os disfarces até então utilizados para fortalecer o nosso 
autoengano já não nos servem.
Inábeis com a paisagem aos poucos revelada, 
às vezes ainda tentamos nos apegar a alguma coisa 
que possa encobrir a nossa lucidez, embaraçados 
que costumamos ser com as novidades,
por mais libertadoras que sejam.
É em vão.
Impossível devolver a linha ao novelo 
depois que a consciência já teceu novos caminhos.
Existem portas que se desmancham 
após serem atravessadas, 
como sonhos que se dissolvem ao acordarmos.
Não há como retornar ao lugar 
onde a nossa vida dormia antes de cruzá-las.
Da estreiteza à expansão.
Da semente à flor.
Do casulo às asas, ensinam as borboletas.
Ana Jácomo

O QUE SIGNIFICA SER UM BUSCADOR ESPIRITUAL?

Em primeiro lugar, significa duas coisas. Uma, que a vida tal como é conhecida exteriormente não é completa; a vida tal como é conhecida de fora não tem sentido. No momento que alguém se torna alerta para o fato de que toda essa vida é uma coisa sem sentido, a busca se inicia. Essa é a parte negativa, mas a não ser que essa parte negativa esteja presente, a positiva não pode vir.

A busca espiritual significa, em primeiro lugar, um sentimento ; um sentimento de que a vida, tal como ela é, não tem sentido. Todo o processo acaba com a morte: pó sobre pó. Nada permanece conclusivo em si mesmo. Você passa pela vida em tal agonia, em tamanho inferno, e nada conclusivo é alcançado. Esse é o lado negativo da busca espiritual. A própria vida o auxiliaa chegar a ele. 
Esse lado - essa negatividade, essa angústia, essa frustração - é a parte que o mundo está fazendo. Quando você se torna realmente alerta para o fato da insignificância da vida tal como é vivida, sua busca comumente começa, porque você não pode ficar tranqüilo com uma vida sem sentido. Com uma vida sem sentido, um abismo é criado entre você e tudo o que a vida é. Uma brecha intransponível cresce, tornando-se mais e mais larga. Você se sente desamparado. Então, a busca por alguma coisa significativa, feliz, é iniciada. Essa é a segunda parte, a parte positiva.

Busca espiritual significa chegar a um acordo com a realidade atual, não com uma projeção sonhadora. Toda a nossa vida é apenas uma projeção, sonhos projetados. Ela não existe para conhecer o que é; existe para se obter o que é desejado. Você pode tomar a palavra "desejo" como um símbolo do que nós chamamos de vida. A vida é uma projeção dos desejos: você não está à procura do que é; está à procura do que é desejado. Você continua desejando e a vida continua sendo frustrante porque ela é como é. Ela não pode ser como você quer. Você fica desiludido. Não porque a realidade seja antagônica a você, mas sim porque você não está em sintonia com a realidade, apenas com seus sonhos. Seus sonhos têm uma desilusão que o arruínam. Enquanto você está sonhando, tudo está certo; mas quando qualquer sonho é alcançado, tudo se torna desilusão.

Busca espiritual significa conhecer essa parte negativa: esse desejar é a raiz causal da frustração. Desejar é criar um inferno por livre e espontânea vontade. Desejar é estar no mundo: ser mundano é desejar e continuar desejando, sem nunca tornar-se alerta de que cada desejo não dá em nada além de frustrações. Uma vez que você se torna alerta para isso, então não mais deseja. Ou seu único desejo é conhecer o que realmente é.

Nesse momento, você decide: " Não continuarei projetando a mim mesmo, conhecerei o que é. Não porque devo ser desse modo e a realidade deva ser daquele outro modo, mas apenas por isto: quero conhecer a realidade seja ela qual for - nua como ela é. Não projetarei, não entrarei nisso. Quero encontrar a vida como ela é". Positivamente, busca espiritual significa encontrar a existência tal como ela é, sem qualquer desejo. No momento que não houver nenhum desejo, o mecanismo de projeção não estará mais funcionando. Então, você poderá ver o que é. Uma vez conhecido, este " o que é" - aquele que é - lhe dará tudo.

O desejo sempre promete e nunca dá. Os desejos sempre prometem felicidade, êxtase, mas isso nunca vem. Cada desejo dá em troca apenas mais desejos. Cada desejo cria em seu lugar apenas desejos ainda maiores e mais frustrantes.

Uma mente não-desejosa é aquela que está engajada na busca espiritual. Um buscador espiritual é aquele que está completamente alerta para o absurdo do desejo e está pronto para conhecer o que é.

Quando a pessoa está pronta para conhecer o que é, a realidade aparece para todos os cantos, por todos os lados. Mas você nunca está presente. Você está em seus desejos, no futuro. A realidade está sempre no presente - aqui e agora -, mas você nunca está no presente. Está sempre no futuro: nos desejos, nos sonhos.

Você está adormecido nos seus sonhos, nos seus desejos. E a realidade está aqui e agora. Quando esse sonho for interrompido e você estiver acordado para a realidade que está aqui e agora, no presente, haverá um renascimento. Você chegará ao êxtase, à satisfação, a tudo o que sempre foi desejado e nunca alcançado.

A busca espiritual deve estar aqui e agora. É possível estar aqui e agora apenas quando não há nenhuma mente desejando. Do contrário, a mente desejosa cria uma oscilação, exatamente como um pêndulo. A mente vai para as memória passadas ou para os desejos e sonhos futuros, mas nunca está aqui e agora. Ela sempre perde o ponto do aqui e agora. Vai de um extremo a outro - para o passado ou para o futuro - e você perde a realidade entre os dois pontos.

A realidade está aqui e agora. Nunca está no passado nem no futuro.

Está sempre no presente. Agora é o único momento, agora é o único tempo; ele nunca passa. Agora é eterno. Está sempre aqui, mas nós nunca estamos aqui. Ser um buscador espiritual significa estar aqui. Você pode chamar esse estado de meditação de ioga, de oração, mas, seja qual for o nome dado, isso não faz diferença. A mente não deve existir. E a mente existe apenas quando há passado ou futuro; do contrário, não há nenhuma mente.
 Osho
A partir de um certo ponto, não há retorno. Este é o ponto que é preciso alcançar.
Franz Kafka                    

A partir de um certo ponto, não há retorno. Este é o ponto que é preciso alcançar.

Todas as coisas têm seu outro lado. Captar o outro lado das coisas e dar-se conta de que o visível é parte do invisível: eis a obra da mística. 

Que é mística? Ela deriva de mistério. Mistério não é o limite do conhecimento. É o ilimitado do conhecimento. Conhecer mais e mais, entrar em comunhão cada vez mais profunda com a realidade que nos envolve, ir para além de qualquer horizonte é fazer a experiência do mistério. Tudo é mistério: as coisas, cada pessoa, seu coração e o inteiro universo. 

O mistério não se apresenta aterrador, como um abismo sem fundo. Ele irrompe como voz que convida a escutar mais e mais a mensagem que vem de todos os lados, como apelo sedutor para se mover mais e mais na direção do coração de cada coisa. O mistério nos mantém sempre na admiração até o fascínio, na surpresa até a exaltação. 

Que há de mais misterioso que a pessoa amada? Que mais profundo que o olhar inocente de um recém-nascido? Que mais majestático que o céu estrelado nas noites escuras de inverno ou do cerrado do Brasil Central? 

Mística significa, então, a capacidade de se comover diante do mistério de todas as coisas. Não é pensar as coisas, mas sentir as coisas tão profundamente que percebemos o mistério fascinante que as habita. 

Mas a mística revela a profundidade de sua significação, quando captamos o elo misterioso que une e re-une, liga e re-liga todas as coisas fazendo que sejam um Todo ordenado e dinâmico. É a Fonte originária da qual tudo promana e que os cosmólogos chamam com o nome infeliz de ''vácuo quântico''. 

As religiões ousaram chamar de Deus a essa realidade fontal. Não importam os mil nomes, Javé, Pai, Tao, Olorum. O que importa é sentir sua atuação e celebrar a sua presença. 


Mística não é, portanto, pensar sobre Deus, mas sentir Deus em todo o ser. Mística não é falar sobre Deus, mas falar a Deus ao entrar em comunhão com Deus. Quando rezamos, falamos com Deus. Quando meditamos, Deus fala conosco. Viver essa dimensão no cotidiano é cultivar a mística. 

Ao traduzirmos essa experiência inominável, elaboramos doutrinas, inventamos ritos, prescrevemos atitudes éticas. Nascem então as muitas religiões. Atrás delas e nos seus fundamentos há sempre a mesma experiência mística, o ponto comum de todas as religiões. Todas elas se referem a esse mistério inefável que não pode ser expresso adequadamente por nenhuma palavra que esteja nos dicionários humanos. 

Cada religião possui sua identidade e o seu jeito próprio de dizer e celebrar a experiência mística. Mas como Deus não cabe em nenhuma cabeça, pois desborda de todas elas, podemos sempre acrescentar algo a fim de mais bem captá-lo e traduzi-lo para a comunicação humana. Por isso as religiões não podem ser dogmáticas e sistemas fechados. Quando isso ocorre, surge o fundamentalismo, doença freqüente das religiões, seja no cristianismo seja no islamismo. 

A mística nos permite viver o que escreveu o poeta inglês William Blake (+1827): ''Ver um mundo num grão de areia, um céu estrelado numa flor silvestre, ter o infinito na palma de sua mão e a eternidade numa hora''. Eis a glória: mergulhar naquela Energia benfazeja que nos enche de sentido e alegria

Leonardo Boff 


♥ღ.¸¸.•´`»ღ♥

Ao final de um itinerário espiritual
 não sobra muito da imagem 
que se tinha de si mesmo no início do processo. 
É como se houvesse uma morte de si mesmo. 
Mas esta morte não é o fim. 
O que alguns chamam de morte da lagarta,
 outros chamam de nascimento da borboleta.

Jean-Yves Leloup


♥ღ.¸¸.•´`»ღ♥
“Não há ideia mais consoladora do que esta - 
que eu, e tu, e aquele monte, 
e o Sol que, agora, se esconde 
são moléculas do mesmo Todo,
 governadas pela mesma Lei, 
rolando para o mesmo Fim.”
Eça de Queiroz