Da Musica


“A grande Música não é obra da inteligência pura endereçada à pura curiosidade intelectual; nasce de uma efervescência criadora que revolve e afecta a personalidade total do artista e se destina a afectar e revolver a personalidade total de cada ouvinte. Não sabemos decifrar o mistério do seu nascimento, nem o mistério do seu recebimento, mas sentimos e compreendemos bem a riqueza do seu conteúdo que abarca a integridade da vida e nos ergue a inquietações e solidariedades de carácter cósmico”
  Fidelino de Figueiredo, Música e Pensamento (quatro ensaios marginais e um prólogo), Lisboa, Guimarães Editores, 1958, p.114.

















Beethoven Piano Concerto No. 5 in E-flat major, Op. 73 Adagio

Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música.

David Garrett - Albinoni - Adagio - Berlin 08.06.2010

         

 

                            
Divina Música!
Filha da Alma e do Amor.
Cálice da amargura
E do Amor.
Sonho do coração humano,
Fruto da tristeza.
Flor da alegria, fragrância
E desabrochar dos sentimentos.
Linguagem dos amantes,
Confidenciadora de segredos.
Mãe das lágrimas do amor oculto.
Inspiradora de poetas, de compositores
E dos grandes realizadores.
Unidade de pensamento dentro dos fragmentos
Das palavras.
Criadora do amor que se origina da beleza.
Vinho do coração
Que exulta num mundo de sonhos.
Encorajadora dos guerreiros,
Fortalecedora das almas.
Oceano de perdão e mar de ternura.
Ó música.
Em tuas profundezas
Depositamos nossos corações e almas.
Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos
E a ouvir com os corações.

Da Música 
Sentei-me ao pé daquela que meu coração ama, e ouvi suas palavras. Minha alma começou a vaguear pelos espaços infinitos onde o universo aparecia como um sonho, e o corpo
como uma prisão acanhada.
A voz encantadora de minha Amada penetrou em meu coração.
Isto é música, amigos, pois eu a ouvi através dos suspiros daquela que amo, e pelas palavras balbuciadas por seus lábios.
Com os olhos de meus ouvidos, vi o coração de minha Amada.
Meus amigos: a Música é a linguagem dos espíritos. Sua melodia é como uma brisa saltitante que faz nossas cordas estremecerem de amor. Quando os dedos suaves da música tocam à porta de nossos sentimentos, acordam lembranças que há muito jaziam escondidas nas profundezas do Passado. Os acordes tristes da Música trazem-nos dolorosas recordações; e seus acordes suaves nos trazem alegres lembranças. A sonoridade de suas cordas faz-nos chorar à partida de um ente querido ou nos faz sorrir diante da paz que Deus nos concedeu.
A alma da Música nasce do espírito e sua mensagem brota do Coração.
Quando Deus criou o Homem, deu-lhe a Música como uma linguagem diferente de todas as outras. Mesmo em seu primarismo, o homem primitivo curvou-se à glória da música; ela envolveu os corações dos reis e os elevou além de seus tronos.
Nossas almas são como flores tenras à mercê dos ventos do Destino. Elas tremulam à brisa da manhã e curvam as cabeças sob o orvalho cadente do céu.
A canção dos pássaros desperta o Homem de sua insensibilidade, e o convida a participar dos salmos de glória à Sabedoria Eterna, que criou a melodia de suas notas.
Tal música nos faz perguntar a nós mesmos o significado dos mistérios contidos nos velhos livros.
Quando os pássaros cantam, estarão chamando as flores nos campos, ou estão falando às árvores, ou apenas fazem eco ao murmúrio dos riachos? Pois o Homem, mesmo com seus conhecimentos, não consegue saber o que canta o pássaro, nem o que murmura o riacho, nem o que sussurram as ondas quando tocam as praias vagarosa e suavemente.
Mesmo com sua percepção, o homem não pode entender o que diz a chuva quando cai sobre as folhas das árvores, ou quando bate lentamente nos vidros das janelas. Ele não pode saber o que a brisa segreda às flores nos campos.
Mas o coração do homem pode pressentir e entender o significado dessas melodias que tocam seus sentidos. A Sabedoria Eterna sempre lhe fala numa linguagem misteriosa; a Alma e a Natureza conversam entre si, enquanto o Homem permanece mudo e confuso.
Mas o Homem já não chorou com esses sons? E suas lágrimas não são, porventura, uma eloquente demonstração?
                          khalil gibran             
Segundo Huberto Rohden,

“Einstein recorria frequentemente à música - piano ou violino – talvez para lançar uma ponte sobre o abismo entre a concentração mental e a intuição cósmica. MaTemátiCa, MeTafísiCa, MíSTiCa são, no fundo, a mesma coisa – e parece que estes 3MMM necessitam do quarto M da MúSiCa, não da moderna, dispersiva, mas de certas músicas profundamente concentrativas. Einstein preferia Bach, Mozart, Bethoven.” 

(in.: EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO, P. 104)

Auxilio emocional de forma singular é ouvir uma bela melodia e deixar-se levar pelo caminho da alma. A música toca algum ponto que você mesmo desconhece,e repentinamente  acaba-se criando imagens mentais com sentimentos intensos e profundos de forma que  os mais sensíveis  não sabem dizer se foi  uma criação mental ou talvez uma recordação de vidas passadas? NadjaFeitosa                                                                                                                                                         

Marcus Viana - A Sonata

Historia de Amor - Beethoven

Moonlight Sonata [Ludwig van Beethoven]

Minha canção te envolverá com sua música, como os abraços sublimes do amor.
 Tocará o teu rosto como um beijo de graças.
 Quando estiveres só, se sentará a teu lado e te falará ao ouvido
 Minha canção será como asas para os teus sonhos
 e elevará teu coração até o infinito.
 Quando a noite escurecer o teu caminho,
 minha canção brilhará sobre ti como a estrela fiel. 
Se fixará nos teus lindos olhos e guiará teu olhar até a alma das coisas.
 Quando minha voz se calar para sempre, minha canção te seguirá em teus pensamentos.

Rabindranath Tagore

                                                      Segundo Huberto Rohden,
“Einstein recorria frequentemente à música - piano ou violino – talvez para lançar uma ponte sobre o abismo entre a concentração mental e a intuição cósmica. MaTemátiCa, MeTafísiCa, MíSTiCa são, no fundo, a mesma coisa – e parece que estes 3MMM necessitam do quarto M da MúSiCa, não da moderna, dispersiva, mas de certas músicas profundamente concentrativas. Einstein preferia Bach, Mozart, Bethoven.” 

(in.: EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO, P. 104)

                                  outra maravilha para os sentidos:

Ennio Morricone,Spiel mir das Lied vom Tod & Cheyenne & On

                                                                             

 

                                             A origem dos nomes das notas musicais                                                 

       A oitava cósmica 

 
O Raio da Criação, 
progredindo desde o Absoluto 
até os satélites dos planetas 
segue a cadência da Oitava -
Na tradição Gnóstica chamava-se 
a GRANDE OITAVA 
ou a Oitava Cósmica: 
1) DÓ: Deus, Absoluto manifesto - Sol central. DOminus 
2) Si: Céu estrelado, conjunto de todos os mundos - SIderus Orbis 
3) La: Nosso grande mundo: a via láctea - LActeus Orbis 
4) Sol:  SOL
5) Fa: Mundo planetário - FAtum 
6) Mi: Terra - mistura do bem e do mal - MIxtus Orbis 
7) Ré: Lua, a regente do destino humano, segundo os antigos -REgina Astris  
 
Pietro Ubaldi,
 em Roma, enquanto fazia o ginásio, iniciou seus estudos de piano, terminando-o quando fazia o curso universitário.
: “Amante da música pura, desde os dias de ginásio até a Universidade, vai executando ao piano os prelúdios e os noturnos de Chopin, os dramas musicais de Wagner, as sonatas e as sinfonias de Beethoven, os poemas sinfônicos e as rapsódias de Lizt, as missas e cantatas de Mozart, e os “lieder” de Schubert, os prelúdios e as fugas de Bach
Em seu livro As Noúres, como preparação do ambiente para escrever, diz o próprio Autor: “Uso a música como outro meio inicial de sintonização de ambiente, a fim de que ajude a saltar da harmonização nesse primeiro plano sensório exterior para a minha harmonização nos mais altos planos supersensórios; essa música obtenho através do rádio e do radiofonógrafo, especialmente a melhor música: Wagner, Beethoven, Bach, Chopin e outros.”
Para Ubaldi, como para todo sensitivo, a música ajuda a percepção das mensagens de planos mais altos e lhe proporciona tranquilidade, verdadeira paz de espírito. Sem esta, a plenitude da missão fica mais difícil de ser alcançada. Diz ele: “Um dos momentos de minha vida é a convivência no torturante estrépito psíquico humano, que só a insensibilidade dos involuídos pode suportar.” A música que contém a inspiração divina suaviza este estado de alma. “Utilizo a música como primeiro degrau no caminho do bem e da ascensão do espírito.”
                                                                        
"Grande desconhecido!

Ah o canto dolorido da tua flauta chamando!

Esqueço, esqueço sempre que não tenho o corcel alado.
Não consigo encontrar o sossego, 
sou um estrangeiro
em meu próprio coração.
Nas brumas batidas de sol das horas lânguidas que imensa visão
de ti me aparece contra o azul do céu!

Grande irreconhecível! 

Ah! o canto dolorido da tua flauta chamando!

Esqueço, esqueço sempre que na casa em que habito sozinho,

todas as grades estão fechadas."

Tagore
Todo coração que arde 

nesta noite 

é amigo da música. 

Ardendo por teus lábios 

meu coração 

transborda de minha boca. 
Silêncio! 
És feito de pensamento, afeto e paixão. 

O que sobra é nada além de carne e ossos. 


Por que nos falam de templos de oração, de atos piedosos? 

Somos o caçador e a caça, 

outono e primavera, noite e dia, 
o Visível e o Invisível
Somos o tesouro do espírito. 
Somos a alma do mundo, 
livres do peso que vergasta o corpo. 
Prisioneiros não somos do tempo nem do espaço 
nem mesmo da terra que pisamos. 
No amor fomos gerados, 
No amor nascemos."
Rumi
A música é chamada de a arte divina ou celestial não apenas porque ela é em si uma religião universal, mas por causa de sua sutileza em comparação com todas as outras artes e ciências. Cada escritura sagrada, ilustração sagrada ou palavra falada sagrada, produz a impressão de sua identidade sobre o espelho da alma, mas a música permanece diante da alma sem produzir nenhuma impressão deste mundo objetivo nem em nome nem em forma, assim preparando a alma para realizar o infinito.

Reconhecendo isso, o Sufi chama a música de giza-i-ruh, a comida da alma, e usa a música como uma fonte de perfeição espiritual, pois a música ventila o fogo do coração e a chama que surge dele ilumina a alma. O Sufi tira muito mais proveito da música em suas meditações do que em qualquer outra coisa. Sua atitude devocional e meditativa torna-o sensível à música, a qual ajuda-o em seu desenvolvimento espiritual. A consciência, através da ajuda da música, primeiramente liberta-se do domínio do corpo e depois da mente. Uma vez isso realizado, apenas mais um passo é necessário para atingir a perfeição espiritual.


Os Sufis de todas as épocas tiveram um sério interesse na música em qualquer terra em que residiram. Rumi adotou especialmente essa arte por conta de sua grande devoção. Ele ouvia os versos dos místicos sobre o amor e a verdade cantados pelos qawwals, os músicos, com o acompanhamento da flauta.


O Sufi visualiza o objeto de sua devoção em sua mente que é refletido sobre o espelho de sua alma. O coração, o fator do sentimento, é possuído por todos, embora ele não seja um coração vivente em todas as pessoas. O coração é tornado vivo pelo Sufi que dá vazão aos seus sentimentos intensos em lágrimas e suspiros. Ao fazê-lo, as nuvens do jelal, o poder que congrega com seu desenvolvimento psíquico, caem em lágrimas como gotas de chuva e o céu de seu coração é clareado, permitindo a alma brilhar.
Essa condição é considerada pelo Sufi como um êxtase sagrado. O wajad, ou êxtase sagrado que os Sufis experimentam como regra no sam'a, pode ser dito ser a união com o Desejado. Existem três aspectos dessa união que são experimentados pelos diferentes estágios de evolução.
O primeiro é a união com o ideal reverenciado do plano da terra, presente diante do devoto, seja no plano objetivo ou no plano do pensamento. O coração do devoto, repleto de amor, admiração e gratidão, torna-se capaz de visualizar a forma de seu ideal de devoção enquanto escuta a música.


O segundo passo no êxtase e a parte mais elevada da união é a união com a beleza de caráter do ideal, não importando a forma. A música em louvor ao personagem ideal ajuda o amor do devoto a brotar e transbordar.


O terceiro estágio no êxtase é a união com o divino Amado, o mais elevado ideal, que está além da limitação do nome e da forma, da virtude e do mérito; com o qual a alma tem constantemente buscado a união e a quem ela finalmente encontrou. Essa alegria é inexplicável. Quando as palavras dessas almas que já atingiram a união com o divino Amado são cantadas diante daquele que está trilhando o caminho do amor divino, ele vê todos os sinais no caminho descritos naqueles versos e isso é um grande conforto para ele. O louvor Daquele assim idealizado, tão diferente do ideal do mundo em geral, preenche-no com uma alegria além das palavras.

O êxtase manifesta-se em vários aspectos. Às vezes o Sufi pode estar às lágrimas, às vezes pode estar suspirando, às vezes ele se manifesta em Raqs, movimentos. Tudo isso é considerado com respeito e reverência por aqueles presentes na assembléia do sam'a, pois o êxtase é considerado uma bênção divina. O suspiro do devoto ilumina um caminho para ele no mundo invisível e suas lágrimas lavam o pecado de eras. Toda revelação segue o êxtase, todo o conhecimento que um livro jamais poderá conter e que a linguagem jamais poderá expressar, nem um professor ensinar, vem a ele por si mesmo.
 A  todos os amigos que as notas musicais alcançarem neste blog o meu carinho e gratidão ecoem pelo universo.  A  todos os amigos que as notas musicais alcançarem neste blog o meu carinho e gratidão.

Ricardo Gondim




Londres, Inglaterra, WestminsterRicardo Gondim

O mistério do Tempo sempre me intrigou. Aliás, desde que deparei, pela primeira vez, com o pensamento de Agostinho, em que o bispo africano separava o Tempo em duas dimensões, o eterno e o histórico, passei a pesquisar o tema.“O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas” Foi assim que Gaston Bachelard interpretou a frase do historiador francês Gaston Roupnel (1872-1946): “O tempo só tem uma realidade, a do Instante”.
Jorge Luis Borges, em Historia da Eternidade”, afirmou que “o tempo é um problema para nós, um terrível e exigente problema, talvez o mais vital da metafísica; a eternidade, um jogo ou uma fatigada esperança”. Borges referia-se ao Timeu de Platão para concluir que “o tempo é uma imagem móvel da eternidade; e isso é apenas um acorde que a ninguém distrai da convicção de ser a eternidade imagem feita de substância de tempo”.
Em diversas tradições religiosas e filosóficas o tempo foi cíclico, uma roda que se repete perpetuamente; uma inútil vaidade que transparece na tardia influência grega no Eclesiástes: “Gerações vêm, gerações vão, mas a terra permanece para sempre. O sol se levanta, o sol se põe, e depressa volta ao lugar de onde se levanta. O vento sopra para o sul e vira para o norte; dá voltas e voltas, seguindo sempre o seu curso. Todos os rios vão para o mar, contudo, o mar nunca se enche; ainda que sempre corram para lá, para lá voltam a correr. Todas as coisas trazem canseira…” (Eclesiastes 1.4-8).
O próprio Borges, sem se referir ao texto BIBLICO, previu que as “eternidades platônicas correm o risco de se tornarem insípidas”. Realmente, se tudo se repete num fluxo e refluxo monótono, o destino se torna inevitável. Se o tempo só fica no vai-e-vem, sobra o fatalismo – que é frio, insípido, chato.
O tempo grego, como uma engrenagem, também é trágico. E por trágico quero dizer, inexorável. Se a passagem do tempo não passa de uma roda dentada, encaixada noutras rodas, o futuro já é. E se o futuro já é uma realidade não há como escapar dele. Tragédia se popularizou pela antiguidade ocidental como um gênero literário porque lidava com o tempo como trilho de aço. Mulheres e homens podiam espernear contra sua sina, mas o mundo superior estava pronto, e, portanto, não permitia mudanças. Eis o motivo porque as forças impessoais que movem o cosmo, que regem a eternidade e que aguilhoam o tempo se tornaram inamovíveis para o mundo helênico. (O que será, será).
Mas, para o rabino britânico Jonathan Sacks, Tragédia não tem equivalente na literatura hebraica ou bíblica; no “judaísmo não há destino inevitável”. Na literatura semita o futuro estava sempre aberto para mudanças. Arrependimento, inclusive, passou a valer como um câmbio no comportamento que altera possíveis desdobramentos. Um tipo de futuro, de acordo com as decisões tomadas no presente, pode deixar de existir. Profetas saíam pelas ruas de Israel e Judá conclamando o povo a mudar o amanhã. Nada tinha que ser como se prenunciava. Profetizar era tarefa árdua pelo simples fato de convocar aquela geração a ver-se responsável pela seguinte.
Infelizmente o cristianismo perdeu de vista a cosmogonia semítica para adotar, acríticamente, a grega. Agostinho, que bebeu mais das águas filosóficas neoplatônicas do que das narrativas judaicas, desenvolveu sua teologia considerando passado e futuro, eternamente, como um “Agora” perene – um presente contínuo.
Para Agostinho, tudo foi providencialmente “escrito e determinado” por Deus e nada ou ninguém pode alterar o que já está pronto. Em seus pressupostos, Agostinho acreditava que toda a realidade já pode ser contemplada pelo Deus eterno como uma coisa só. Passado, presente e futuro acontecem num bloco de realidade. Passado, presente e futuro aos olhos de Deus são realidades simultâneas, portanto, fixas.
Por outro lado, o historiador das religiões Mircea Eliade, ao comparar, por exemplo, o cristianismo com o hinduísmo, afirmou que: “Para um hindu simpatizante do cristianismo, a inovação mais espetacular (se deixamos de lado a mensagem ou a divindade do Cristo) consiste na valorização do tempo, em última análise na salvação do tempo e da história”.
Para Eliade, o cristianismo renuncia a reversiblidade do tempo cíclico para impor um tempo irreversível. Eliade cria na irreversibilidade do tempo não no sentido de estar já pronto, mas por ser linear. O tempo é um devir, um linha que vai se alongando. O tempo, no cristianismo, segue adiante. Se o tempo segue, cada instante tem o valor de uma eternidade.
“Pois desta feita as hierofanias manifestadas pelo tempo não podem ser repetidas: o Cristo viveu, foi crucificado e ressuscitou uma única vez”. O evento crístico portanto significa uma cunha irrepetível na linha do tempo. Eliade, assim, aproxima o cristianismo do pensamento de Gaston Bachelard: “Daí vem uma plenitude do instante, a ontologização do tempo: o tempo consegue ser, o que quer dizer que ele para de tornar-se, que se transforma em eternidade”
Vinicius de Moraes também intuiu, acertadamente sobre marcar o instante como infinito na sua efêmera duração. Ele poetizou: “Eu possa dizer do meu amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”.
Para Eliade o evento distintivo que, por assim dizer, “eterniza” o instante seria o momento favorável. A experiência de vivenciar algo que, por tão caro, deveria se repetir, mas não se repete. “O instante transfigurado por uma revelação (quer chamemos ou não este “momento favorável” de Kairós).
Assim, se na poesia o amor confere ao instante um valor eterno, na fé cristã a manifestação de Deus na história, sua intenção salvadora (soteriológica) confere plenitude ao tempo. Há um evento que pode ser considerado o zênite, irrepetível, único, singular: a encarnação. “Como poderia ser inútil e vazio o Tempo que viu Jesus nascer, sofrer, morrer e ressuscitar? Como poderia ser reversível e repetir-se ad infinitum?” (Eliade).
A distinção que distinguirá o cristianismo do judaísmo, portanto, vem do acontecimento histórico que “revela o máximo de trans-historicidade: Deus não intervém apenas na história, como foi o caso do judaísmo; ele se encarna num ser histórico para sofrer a existência historicamente condicionada; aparentemente, Jesus de Nazaré não se diferencia em nada de seus contemporâneos da Palestina. Na aparência, o divino é totalmente oculto na história: nada deixa entrever na fisiologia, na psicologia ou na ‘cultura’ de Jesus, o Deus Pai em si; Jesus come, digere, sente sede ou calor como qualquer outro judeu da Palestina. Mas, na realidade ‘ esse acontecimento histórico’, que constitui a existência de Jesus é uma teofania total…” (Eliade).
Borges conclui, formidavelmente, em “Nova Refutação do Tempo” que não se pode imaginar ou experimentar o tempo como mera simultaneidade: “And yet, and yet… Negar a sucessão temporal, negar o eu, negar o universo astronômico são desesperos aparentes e consolos secretos. Nosso destino (ao contrário do inferno de Swedenborg e do inferno da mitologia tibetana) não é terrível por ser irreal, é terrível porque é irreversível e férreo. O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me despedaça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo, infelizmente, é real; eu, infelizmente, sou Borges”.
Deus encarnou na história, se exilou no mundo, se esvaziou em seu Filho. No tempo, andou manso e humilde entre mulheres e homens para que se reconceituesse a percepção da história. No cristianismo não há fatalismo. Assumisse-se responsabilidade com o futuro (seremos complacentes ou transformadores?).
Eu não conseguiria fazer teologia sem dialogar com tais conceitos. Creio na linearidade histórica, plena de contingências existenciais; na liberdade de um mundo que Deus soberanamente organizou, pleno de surpresas e quanticamente aleatório.
Soli Deo Gloria

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Bibliografia:

Eliade, Mircea – Imagens e Símbolos – Martins Fontes, São Paulo, 2002.
Borges, Jorge Luis – Obras Completas, Tomos I e II, Editora
Ricardo Gondim



Milhões vivem com algemas invisíveis. Sem delito que os condenem, não conseguem enfrentar inimigos inexistentes. Tornaram-se prisioneiros de seus próprios corações. Vivem dentro de cerca que eles próprios ergueram. Aceitam o grito imaginário de um general que nunca nasceu, apavoram-se com o rugir de leões empalhados. Temem o veneno de cobras mortas.
Um estado de espírito negativo tornou-se-lhes uma realidade mais cruel que a crueldade da vida. Um pessimismo mental que determina a priori, que o futuro permanecerá nebuloso. Eles pensam na inevitabilidade do impossível, na improbabilidade do que é difícil e na inviabilidade de seus sonhos, e assim é a vida pra eles.
Coragem é não se aquietar; timidez é aceitar domesticar-se. Agora estou convicto de que o mundo pertence àqueles que aceitam acrriscar sua própria existência para atingirem o que desejam. Esses formam a grande comunidade da qual o mundo não é digno.
Extraído do livro Não desperdice sua vida
Ricardo Gondim
Ricardo Gondim
Tolstói iniciou Anna Karenina com uma das mais espetaculares afirmações da literatura: ”Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. A felicidade é indistinta, mas a tristeza carrega particularidades específicas. Ao longe, os cenários são belos; próximos, expõem detritos horrorosos. De perto, o lixo fede. Narrativas universalizantes foram incapazes de retratar dramas pessoais –vivenciados na dura realidade cotidiana.
Filosofia e teologia se especializaram em grandes narrativas para lidar com o sofrimento. Esqueceram as pequenas realidades. No microcosmo, gente com nome,história e laços de amor geme. Oprimidos em inúmeros cativeiros, os judeus cantavam: “Quem são homens e mulheres para que Te lembre deles? Onde Te escondeste, ó Senhor?”.
Voltaire afirmou que se há vida em outros mundos, a terra é o manicômio do universo. Segundo a ONU, dois milhões morrem de fome a cada dia– eu disse: cada dia. Estima-se que só na Europa, 500 mil mulheres sejam traficadas a cada ano – a maioria para exploração sexual. (as brasileiras engrossam as estatísticas no Velho Continente e somam 75 mil, o equivalente a 15% das vítimas). O que fazer com a cólera no Haiti, a malária na África, a guerra civil no Sudão, a perseguição religiosa no Afeganistão, o consumismo e a indiferença na Europa e os homicídios do México ao Brasil?
O palácio dos horrores baixou a ponte. Cavaleiros do Apocalipse entram em cena a galope. De tão barata a vida, milhões e milhões de famílias, à sua maneira, experimentam o inferno.
A prece mais religiosa para esta geração deve ser: “Deus, por que não invades logo o monturo que se transformou este planeta? Por que o Senhor não acaba com o ato desse teatro macabro? A peça já se arrasta além do necessário. O preço que cobras por teres nos criado imperfeitos não está alto demais?”.
Que volte o hino do negro spiritual: “Não se te dá que morramos? Como podes assim dormir?”.
Se existe outro mundo possível, onde se esconde? Por que os mínimos sinais de um reino alternativo sempre foram imprecisos? Por que o bem se perdeu em instituições adoecidas? Nada explica a ganância ser maior que a fome de justiça.
Além da indiferença do universo, anônimos sofrem com a burocracia estatal – burocracia fria. Oligarquias se reinventam para manter o poder nas mãos dos mesmos. Estruturas se satanizam. Instituições legitimam processos de alienação. O mal se multiplica com facilidade. O bem consome a vida dos poucos que se atrevem concretizá-lo.
A história segue. Ruma ao grande abismo. T. S. Eliot perguntou: “Onde está a vida que perdemos vivendo?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”. Insana, a humanidade se debate sem sequer buscar antídoto para o veneno que a destrói.
Quantos se dispõem quebrar o sistema que abandona crianças à miséria? Mulheres violentadas e idosos abandonados continuarão sem terem quem os vingue? A coerência que justifica o mal será desfeita quando?
Milhões se entorpecem. Tateiam em busca de respostas nos lugares errados. Consumismo junto com as indústrias do esportismo e do “celebrismo” servem para perpetuar a ilusão de que no fim tudo vai dar certo. Estupidez. Quinquilharias tecnológicas salvam e alienam. Erudição ilustra e ilude. Enquanto a mão esquerda escreve poesia, a destra declara guerra.
Vaidosa, a atual geração se considera pouco menor do que os anjos. Só não vê a própria cara desfigurada – monstro de iniquidade.
Os caminhos humanos não apontam para um progresso inexorável; não desembocam, necessariamente, em estrada alguma. Nada garante que o rio da história alcance o oceano do sentido.
O planeta terra parou de brilhar; há muito não embeleza o universo. A eternidade não guardará registro do tempo fugaz dos humanos por aqui. As perguntas que a racionalidade fez foram insuficientes para chegar à verdade. A pouca solidariedade partilhada malogrou em redimir o ódio. Livros da história produziram melancolia por um passado de ouro, apenas. A clemência da geração que sucedeu ao holocausto se revelou impotente para evitar outros genocídios. A ciência não conseguiu reverter o inconsciente coletivo, que ainda viabilizará novas chacinas.
O Nazareno acertou: em todos os dias cabe um mal próprio. Sendo assim, séculos não aliviarão a tragédia da geração atual. Não por acaso os pobres, conscientes de seu sofrimento, devem voltar a clamar: “Maranata – não te demores, Senhor”.



Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim
“Bem aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra”


Palavras morrem, deixam de comunicar, perdem o sentido. Certas virtudes têm a mesma sorte. Caem em desuso. O passar dos anos as joga no ostracismo. Reviravoltas culturais,economicas, ideológicas fazem com que certos valores, outrora considerados nobres, pareçam irrelevantes. Falar de mansidão, por exemplo, soa piegas hoje em dia. Em algum mosteiro talvez um futuro candidato à beatificação ainda considere o projeto de ser manso. Quem mais, no mundo, ambiciona o anonimato? Humildade lembra demagogia. Ser simples? Uma fraqueza!
Em “Humano, demasiado humano”, Nietzsche conta a história de um homem medroso e covarde. Faltava-lhe a intrepidez de contradizer os companheiros de partido. “Tinha mais medo da opinião de seus camaradas que da morte. Era um lamentável espírito fraco”. Seus camaradas perceberam então que a covardia dele seria útil. Primeiro o trataram como herói e por fim, mártir. Mas ele permanecia um fraco. Interiormente dizia não enquanto repetia o que os outros desejavam. Mesmo no cadafalso, a instantes de morrer, não deixou de repetir o sim dos pusilânimes. “Ao lado dele, estava um dos seus velhos camaradas, que o tiranizava tanto pela palavra e o olhar, que ele sofreu a morte de maneira mais decente e, desde então, é homenageado como mártir e grande personalidade”. Uma possível lição dessa história é que quem pensa com liberdade, mas adequa o discurso por conveniência, não é humilde, apenas um coitado. Até o absurdo do martírio legitima falsos conceitos de humildade.
Mansidão é, entre as virtudes brandas, uma das mais aviltadas. Fraudada, chancela subserviência. Todo vassalo adora passar por manso. Tomado pelo espírito de rebanho, prefere andar de cabeça baixa. Cai-lhe bem merecer pena. Detalhe: sua voz branda esconde um ego gigantesco. Ele só pensa em preserva-se. Cordato, repete frases testadas, pois precisa dar-se bem com os donos do poder. Na candura, encarna o pacato dissimulado. Que “não inventa nada, não cria, não empurra, não rompe, não engendra; mas em contrapartida, custodia zelosamente a armadura de automatismos, pré-juízos e dogmas acumulados durante séculos…” (José Ingenieros).
O falso humilde consegue ser modesto. Para quem usa a humildade como degrau, pudor se torna imprescindível. Alguns sossegados metem medo. Quem se acostumou às águas serenas nunca vai propor tese alguma que balance a jangada. Assim, munido de semblante plácido, ele deixa o ambiente pronto para obviedades. Melhor desfrutar das opiniões alheias – quanto mais antigas melhores – do que condenar-se ao tumulto que assola os inquietos. Supostos humildes nunca desaprovam o poder político nem ousam denunciar qualquer blasfêmia social.
Nietzsche afirmou em “Gaia Ciência:
Existe, frequentemente, em suma, uma espécie de humildade receosa, que, quando nos aflige, nos torna para sempre impróprios para as disciplinas do conhecimento. Porque, no momento em que o homem que a transporta descobre uma coisa que o choca, dá meia volta, seja como for, e diz consigo: “Enganaste-te! Onde é que tinhas a cabeça? Isso não pode ser verdade!” De forma que em vez de examinar mais de perto e de ouvir com mais atenção, desata a fugir completamente aterrado, evita encontrar aquilo que o choca e procura esquecê-lo o mais depressa possível. Porque eis o que diz a sua lei: “Não quero dizer nada que contradiga a opinião corrente. Serei eu feito para descobrir novas verdades? Já há demasiadas antigas”.
A verdadeira simplicidade é, antes de tudo, corajosa; destemida, embora não considere nunca as armas do violento. O simples sabe a força que se esconde na singeleza. Quem se vale de armas malignas para impor a vontade se torna igual ao maligno que as empunha. A espiral da barbárie acontece quando mansos passam a recitar a cartilha que ensina combater violência com mais violência.
As maiores ameaças à humanidade nascem da sedução do poder. Poder, – Atenção: anjos, senhoras e senhores – é sempre uma ameaça. Nele está o veneno da arrogância. Guerras e injustiça se universalizaram porque o mundo enfiou o pé na lógica de que a sobrevivência da espécie depende da subjugação do outro pela força.
Selvageria difere do amor. No centro do universo não predomina a barbárie. Deus é amor. O ato criador primeiro, o fiat lux, só pode ser concebido na gratuidade. E quem cria (ou procria) renuncia à potência. Simone Weil afirmou: “Se Deus almejasse afirmar-se a partir da potência, nada existiria senão ele próprio”. Deus precisou abrir espaço para o imperfeito, “se retirar”, como escreveu a filosofa francesa. Em seu passo para trás, na kenosis, o Pai possibilita a história – os processos de humanização.
Fragilidade vem de Deus. Ela suscita docilidade, docilidade cria diálogo e diálogo faz amigos. Deus quer amigos, apenas. Toda altivez é solitária. Só a humildade escancara os salões da convivência. Empáfia, insensível, míope e surda, não passa de eufemismo para inferno.
O simples pede: “me ensine, eu quero crescer”; já o soberbo retruca: “Nada me resta para aprender”. O manso se mostra flexível porque se reconhece limitado. A rigidez do poderoso o infantiliza; ensimesmado, ele embrutece, enquanto o singelo se habilita para a vida.
Simplicidade e contentamento vivem sob o mesmo teto. O simples não se encanta com o assobio da opulência, ele só quer navegar, despretensiosamente, vida a fora. Não liga se não conseguir assento entre os altivos. Indiferente a cetros, coroas e castelos, sabe valorizar o instante.
 E assim, disposto a perder a vida, herda a terra.